sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

ANIVERSÁRIO


Álvaro de Campos


ANIVERSÁRIO

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu era feliz e ninguém estava morto.

Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,

E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,

De ser inteligente para entre a família,

E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.

Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.

Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim mesmo,

O que fui de coração e parentesco,

O que fui de serões de meia-província,

O que fui de amarem-me e eu ser menino.

O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...

A que distância!...

(Nem o acho...)

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,

Pondo grelado nas paredes...

O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),

O que eu sou hoje é terem vendido a casa.

É terem morrido todos,

É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!

Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,

Por uma viagem metafísica e carnal,

Com uma dualidade de eu para mim...

Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...

A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,

O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado —,

As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!

Não penses! Deixa o pensar na cabeça!

Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!

Hoje já não faço anos.

Duro.

Somam-se-me dias.

Serei velho quando o for.

Mais nada.

Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

DESCULPEM-ME

Primeiramente quero pedir desculpas. Sou homem branco hetero e como diz meu querido "amigo" Fábio Porchat, não que ele seja, mas adoraria tê-lo como amigo, sou um racista e um machista em desconstrução. Gostaria de pedir milhões de perdões, embora não exista desculpas no mundo que possam retirar um trauma ou, minimamente, um desconforto que eu possa ter feito alguém sentir. Realmente peço desculpas sinceras se algum dia fiz uma mulher se sentir desrespeitada, como mulher ou como ser humano, garanto que nunca tive essa intenção. Se fiz alguma coisa provavelmente já devo ter pedido desculpas na época. Até porque sou, depois de meu pai, o único homem da família, tenho três irmãs, fui criado por quatro mães, como elas gostam de dizer, o que me fez e me faz me sentir mal por qualquer atitude que possa ser vista como desrespeitosa. Batalho diariamente para que não faça nenhum ato assim com ninguém. Como disse sou um racista e um machista em desconstrução e espero diariamente melhorar meu comportamento errante quando estiver me deparando com o mesmo. Peço do fundo do meu coração desculpas. E por todo o desrespeito que tenha cometido com qualquer mulher que já tenha passado pela minha vida. Infelizmente não posso me desculpar pela atitude de outros homens, mas posso afirmar que jamais em sã consciência faria qualquer pessoa se sentir desrespeitada, se acaso tenha feito, peço perdão.Vejo reportagens e matérias a respeito de assédios, filmes, documentários e isso me faz refletir ainda mais, por isso fiz esse texto.