terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Raspar cabelos e chamar calouro de 'bicho' no trote é tradição da era medieval

Veteranos das primeiras universidades visavam 'civilizar' os calouros.
Novatos chegavam barbudos, cabeludos e analfabetos à vida universitária.
Marília Juste Do G1, em São Paulo



  Foto: Reprodução 

Trotes foram documentados na Universidade de Heidelberg na Idade Média (Foto: Reprodução)

Raspar o cabelo de um calouro e chamá-lo de “bicho” pode parecer uma parte inofensiva do “trote” nas universidades de hoje, mas remete a uma tradição de humilhação que se inicia na era medieval, afirmam pesquisadores que estudaram a história da prática.

Ninguém sabe exatamente quando ocorreu o primeiro trote, mas é certeza que foi antes mesmo de as universidades serem chamadas de “universidades”. “As universidades medievais se formaram como apêndices da Igreja, quase como departamentos da Igreja Católica”, explica Glauco Mattoso, autor do livro “O calvário dos carecas”, de 1985, que conta como surgiu o trote.

“Os padres detinham os livros e o conhecimento. Paralelo a isso, as oficinas, fora da Igreja, ensinavam coisas práticas, como alfaiataria. A união dessas duas partes deu origem aos primeiros centros universitários da Europa”, explica Mattoso.

Nessa época, o conhecimento era completamente restrito ao ambiente universitário. “Na Idade Média, todo mundo era analfabeto. Isso é antes do surgimento da imprensa, então os livros eram todos escritos à mão e muito raros. Era muito caro estudar. Quando alguém entrava em uma universidade, era um privilegiado”, explica o pesquisador.

“Os alunos que já estavam na faculdade viam o novato como um verdadeiro bicho do mato. É daí que vem a ideia de chamar calouros de 'bichos’”, conta Mattoso. “E isso não era longe da realidade. Quem chegava à universidade pela primeira vez era geralmente analfabeto e tinha longos cabelos, unhas sujas e barba comprida. Estamos na Idade Média, afinal. Os veteranos viam o novato como alguém que precisava ser literalmente civilizado”, explica.

Quando o novo aluno chegava, os veteranos cortavam sua barba e seu cabelo, e raspavam seus pelos. “A tradição de raspar os cabelos dos calouros é algo que vem dessa época, para civilizar o recém-chegado. Eles também davam banhos e faziam ritos de ‘purificação’. É aí que entra a violência”, conta o pesquisador. 

Registros
Os primeiros registros de trote são encontrados em praticamente todas as primeiras universidades da Europa, como Paris, na França; Coimbra, em Portugal; e Heidelberg, na Alemanha. É em Heidelberg que são encontrados também os primeiros relatos de violência na recepção aos calouros, em um livro chamado “Manuale Scholarium”, de 1481 e autoria desconhecida. A obra era usada para ensinar latim e, como exemplos de conversação na língua, eram usados diálogos sobre a vida estudantil na universidade entre os personagens fictícios do calouro Joannes e dos veteranos Camillus e Bartoldus.
  Foto: Reprodução

Universidade de Paris foi uma das primeiras a registrar casos de trote (Foto: Reprodução)

Em um dos episódios descritos, os veteranos entram no quarto do calouro fingindo nojo do “terrível fedor” do local. Procuram a causa do cheiro e encontram o calouro, “um bicho do mato, um monstro de horrendo aspecto, com enormes chifres e dentes, nariz recurvo como um bico de coruja, olhar feroz e boca ameaçadora”.

Depois de insultarem o novato, eles afirmam ter pena do “pobre bicho, que afinal é um futuro colega” e oferecem um “vinho”, que, na verdade, é apenas urina. Joannes, o calouro, se recusa a beber e é forçado. A partir daí, os veteranos decidem “curar” o “monstro” para que seja aceito na comunidade universitária. É aí que começa o “trote”.

O calouro sofre intensas agressões físicas, é forçado a se alimentar de comida com fezes e obrigado a admitir diversos “pecados”, principalmente de origem sexual. Ele fica sob o comando de um “mestre”, a quem tem que vestir, calçar, servir à mesa e até, em alguns casos, masturbar. Se o novato se rebelasse, seria espancado pelos veteranos – prática que muitas vezes levava à morte.
Se sobrevivesse, o calouro então jurava que iria repetir com os próximos novatos tudo o que lhe foi feito. Só então ele passava a ser aceito na vida universitária de Heidelberg como veterano. 

No Brasil
Embora o caso tenha sido descrito na universidade alemã, Glauco Mattoso afirma que as mesmas práticas eram comuns em todas as universidades européias. E quando a universidade chegou ao Brasil, no século XIX, a prática veio com a tradição portuguesa da Universidade de Coimbra. 
“As faculdades de direito de São Paulo e Olinda seguem fortemente a tradição de Coimbra e isso se refletiu também no trote. A primeira morte no trote no Brasil é exatamente em Olinda, em 1831”, diz o pesquisador. É de Coimbra também que vem a tradição nas faculdades de direito brasileiras do “trote erudito”, onde os calouros são obrigados a fazer discursos e poesias autodepreciativas de improviso.

Hoje, na maioria dos países da Europa e nos Estados Unidos, o trote praticamente desapareceu. “Nos Estados Unidos, ele existe apenas nas "fraternities", as repúblicas. Dentro da universidade, não existe”, afirma Mattoso.

A forma com que ele é feito no Brasil, com grande alvoroço de calouros e veteranos nas ruas, é praticamente desconhecida entre os próprios inventores do trote. “Há um pouco de carnavalização da coisa por aqui. Vira festa. Os europeus e os americanos são mais sisudos, então isso foi sumindo naturalmente”, explica.
E, se há uma “tradição” no trote, para o pesquisador, ela é a da violência. “As pessoas fazem muita confusão quando aparece um caso de um calouro sendo agredido. Dizem que o trote ‘está ficando’ violento. O trote sempre foi violento. A memória das pessoas é que é curta”, conclui.

domingo, 31 de janeiro de 2010

UMA PIADA PARA ROBIN WILLIANS

Uns anos atrás os Simpsons vieram pro Brasil. Homer foi sequestrado. Bart ficou excitado com a loira de shorts enfiado na bunda que apresentava um programa infantil na TV. O menino pobre que a Lisa ajudou não tinha o que comer mas estava muito feliz desfilando no Carnaval.

Esses dias Robin Willians falou: "Claro que o Rio ganhou de Chicago a sede das Olimpíadas. Chicago levou Michele e Oprah e o Rio levou 50 strippers e 500g de cocaína".

Eu ri!

Advogados, autoridades e populares manifestaram suas revoltas nos dois casos. Eles não se revoltam, não se mobilizam, não processam, não abrem inquéritos, não fazem passeatas quando o sequestro, a loira vagabunda apresentadora de programa infantil, a idiotice do carnaval, o tráfico de drogas e a prostituição acontece na vida real bem debaixo dos nossos narizes. Eles se revoltam só quando usam isso pra fazer piada.

A piada realmente boa sempre ofende alguns e mata de rir outros por um motivo simples: A boa piada sempre fala de uma verdade. Num País onde aprendemos a mentir, enganar, roubar, tirar vantagem desde cedo a verdade não diverte. Assusta. O cara engraçado pro brasileiro é sempre aquele que fala bordões manjados, dá cambolhatas no chão em altas trapalhadas, conta piadas velhas, imita o Silvio Santos ou faz um trocadilho bobo mostrando ser um ignorante acerca dos assuntos. Esses bobos passivos nos deliciam porque não incomodam ninguém! Ao contrário! Demonstram ser verdadeiros tolos, dando a nós, um povo de baixa-estima, a sensação que somos superiores a eles. Adoramos isso! Odiamos mesmo o cara que faz um gracejo com uma verdade inconveniente. Pro brasileiro isso é como o alho pro vampiro. Esse cara merece ser execrado. Brasileiro odeia a verdade.

O brasileiro é uma gorda de 300 kilos que odeia ouvir que é gorda. Ela faz um regime pra parar de ouvir isso? Não! Regime e exercicio dá muito trabalho. É mais fácil ir no shopping, comprar roupa de gente magra, vestir e depois acomodar a bunda na cadeira do McDonalds. O problema é que nem todo mundo é obrigado a engolir que aquela fábrica de manteiga é a Barbie só porque está com a roupa da Gisele Bundchen. Então é inevitável que mais hora menos hora alguém da multidão grite: "Volta pro circo!" ou "Minha nossa! É tão gorda que a Endoscopia dela vai ter que ser uma produção de Steven Spielberg!". Então a gorda chora. Se revolta. Faz manha. Ameaça. Processa. Porque, embora ela tentou se vestir como uma magra, no fundo a piada a fez lembrar que ela é mais gorda que a conta bancária do Bill Gates. A auto-estima dela tem a profundidade de um pires cheio de água.

Ao invés de dizer que Robin Willians tem dor de corno, o prefeito do Rio devia primeiro cuidar da sua dor de mulher de malandro. Sabe? Mulher de malandro sim, aquela que apanha, apanha, apanha mas engole os dentes e  o choro porque acha que engana a vizinha dizendo: “Eu tenho o melhor marido do mundo”.

Advogados que já são alvos de piadas por outros motivos deveriam evitar pegar um caso onde se processa um humorista por uma piada. Na verdade, no caso do Robin Willians ao invés de processo deveriam enviar pra ele uma carta de gratidão. Pense que ele estava num dos melhores programas de TV e só falou de puta e cocaína. Ele poderia ter falado por exemplo, que o turista que vier pra Olimpiadas se não for roubado pelo taxista será no calçadão. Poderia também ter dito que o governo e a polícia brasileira lucram com aquela cocaíca do morro carioca que ele usou na piada. E se ele resolvesse falar algo como: “As crianças do Brasil não assistirão as Olimpíadas porque estarão ocupadas demais se prostituindo”? A.. E se ele resolvesse lançar mais uma piada do tipo: “Brasileiro é tão estúpido que se preocupa com o que um comediante diz, mas não se preocupa no que o político que ele vota faz”?

Muitas são as piadas que poderiam ter sido feitas. Quem é imbecil o suficiente para se incomodar com piada, não seja injusto e agradeça Robin Willians porque ele só fez aquela.

E depois brasileiro se acha no direito de fazer piada dizendo que o Português é que é burro.

Danilo Gentili

sábado, 9 de janeiro de 2010

Uma quadrilha de Rubem Fonseca condenado à liberdade em Sartre

“Um homem não pode ser mais homem do que os outros, porque a liberdade é semelhantemente infinita em cada um”.
Jean-Paul Sartre

“Não há fatos, apenas interpretações”.
Friedrich Nietzsche


O homem está condenado a ser livre, afirma Jean Paul Sartre, portanto se a vida não tem, inicialmente, um sentido determinado, já que não existe um deus que o determine, então nós, como indivíduos e sociedade, necessitamos criar o sentido da nossa própria vida. Por este motivo, estamos condenados à liberdade.

A vida nos obriga a fazer várias escolhas possíveis. Podemos criar ou destruir. Nada nos obriga a escolher uma coisa ou outra. Mas ser livre significa que somos nós, e só nós, os responsáveis pelas escolhas que fazemos.

Botarmos a “culpa” de tudo em um “Deus” ou “Deuses”, ou em simplesmente algo que acreditamos ser superior a nós mesmos, mostra apenas nossa incapacidade de assumir a responsabilidade de nossas próprias decisões. Não há desculpas ou justificativas, e sim uma incapacidade de lidarmos com as conseqüências de nossos próprios atos.

Vemos claramente a incapacidade de assumirmos as conseqüências de nossas ações no conto escrito por Rubem Fonseca, Feliz Ano Novo, no conto pode-se constatar que os marginais, buscam em seus atos de crueldade uma justificativa, no entanto é claro o fato de que eles estão conscientes de suas próprias ações.

Observa-se na citação do critico Deonísio da Silva, como é realizado o ritual de violência no conto de Fonseca.

“Se matar é condição para viver, que ambas as ações sejam realizadas em grande estilo. No caso, os atos em si mesmos, morrer e matar, são revestidos de uma roupagem filosófica. Misturando aforismos, clivados por atrapalhes do cotidiano, os bandidos declinam uma especial condição de vida: para viver é preciso matar.”
(1983, p.68)


Somos completamente livres para realizar nossos atos, e qualquer tipo de justificativa criada para amenizar nossas ações, nada mais é do que má fé, ou seja, uma maneira de mentirmos para nós mesmos.

A linguagem vulgar usada no conto Feliz Ano Novo é uma maneira de demonstrar o nível cultural e a classe social das personagens, sofridas, que tiveram poucas oportunidades na vida, e usam esta desculpa para justificar os atos. “Nós estamos sozinhos, sem desculpas", alega Sartre, o homem não pode desculpar sua ação dizendo que está forçado por circunstâncias ou movido pela paixão ou determinado de alguma maneira a fazer o que faz.

Podemos verificar no conto em questão, que suas personagens envolvem-se no ato de má fé, tentando justificar a violência hedionda cometida, usando como justificativa a classe social miserável, o péssimo estado em que vivem e a falta de cultura social, violência esta que em alguns momentos nos remetem ao clássico de Kubrick, Laranja Mecânica, usando um nível de brutalidade assustador chega a ser surreal a maneira caricata que o autor trabalha a psicologia das personagens.

Com a descrição de Paulo Menezes, em relação a uma cena do filme Laranja Mecânica, vejamos:


[...] ele chega girando uma tesoura o dedo. Puxa com a mão, após apalpar seus seios, a malha da roupa naquela mesma altura cortando-a com a tesoura. A sensação de que ele pode cortar o bico dos seios é indescritível e quase relaxamos na cadeira quando vemos que ele cortou apenas o tecido. O rosto de Alex completa a sensação de estranheza que a cena comporta. Melhor dizendo não propriamente o rosto mas a máscara que ele utiliza, pois ela é nada ,mais que um imenso e roliço pênis, avermelhado em sua ponta e na parte superior. O estupro acaba s fazendo visualmente quando ele se ajoelha perto do escritor.
(MENEZES, 1997.p.61)


Nesse trecho do filme de Kubrick, demonstra que mesmo que as cenas de violência sejam muito parecidas com a do conto de Fonseca, no primeiro a violência gratuita não se pretende justificar em relação ás personagens, posto que para elas não existe o conceito de moral e de ética, sendo assim as personagens cometem tais ações simplesmente por diversão, sem “saber” que são socialmente equivocadas, diferente do conto de Fonseca onde as personagens, sabem o que é “certo e errado”, no entanto tentam justificar seus atos de violência, usando como causa principal a baixa classe social em que vivem, sendo personagens sofridos e de baixa alto estima, tendo assim permissão velada de fazer com que as personagens de classes sociais elevadas sofram tão quão eles mesmos sofrem.

Logo Sartre afirma que nunca saímos do real para sermos livres, precisamos estar cem por cento conectados ao mundo, consciente e inconscientemente, já que o inconsciente sartriano é completamente diferente da definição freudiana, pois para Freud, os conteúdos inconscientes, apenas se encontravam disponíveis para a consciência, de forma disfarçada, através de sonhos e lapsos de linguagem, por exemplo, já para Sartre o inconsciente é o real enrustido em si, tanto um como o outro sabem exatamente o que querem ou desejam fazer, cabe ao individuo decidir racionalmente o caminho que deseja seguir, desta forma Jean-Paul Sartre em suas observações argumenta “ser-se livre não é fazermos aquilo que queremos, mas querer-se aquilo que se pode.”.

Também podemos notar a “angústia”, no conto em questão, quando observamos a citação “Puta que pariu, disse Zequinha. E vocês montados nessa baba tão aqui tocando punheta?” As personagens precisam e querem sair da situação em que se encontram, portanto sente-se na obrigação de tomar uma atitude, atitude esta que embora não seja nem um pouco considerada socialmente ética, é a única que estão acostumados a lidar, pois cresceram rodeados de desrespeito próprio e da sociedade, assim acreditam que devam retrucar na mesma moeda. Neste sentido, segundo Kierkegaard:


Sartre usa o termo "angústia" para descrever essa consciência da própria liberdade. Nós estamos livres porque nós não podemos confiar em um Deus ou na sociedade para justificar nossa ação ou para nos dizer o que e quem nós somos. Nós estamos condenados porque sem diretrizes absolutas, nós devemos sofrer a agonia de nossa tomada de decisão e a angustia de suas conseqüências. A angústia é, então, a consciência da própria liberdade... A angústia é a consciência dessa liberdade de escolha, a consciência da imprevisibilidade última do próprio comportamento... Uma pessoa à beira de um penhasco perigoso tem medo de cair, e sente angustia ao pensar que nada o impede de se jogar lá embaixo, de se lançar no abismo. O pensamento mais angustioso de todos é quando, num dado momento, nós não sabemos como nós iremos nos comportar no momento seguinte.
(2001)


Adiante Sartre descreve, sobre a vida humana como uma consciência infeliz, pois segundo o autor, o homem está sempre buscando se esquivar das possibilidades irrealizadas, dizendo sempre que não restaria uma segunda escolha a ser feita. Assim, ele ratifica que "Não podemos chegar a um estado em que não restem possibilidades irrealizadas", pois não teríamos liberdade e nem escolhas. Então definitivamente, “não há fuga possível da angústia da liberdade; fugir à responsabilidade é em si mesmo uma escolha” e “Não fazemos aquilo que queremos e, no entanto, somos responsáveis por aquilo que somos” (Sartre).

Já no conto de Fonseca, percebemos que não há uma fuga da responsabilidade por parte da quadrilha, posto que eles assumem o risco, e conhecem as conseqüências possíveis de seus atos, configurando-se assim uma escolha, mesmo que o leitor não consiga identificar uma conseqüência punitiva, realizada pela sociedade, mas sim um final que de “happy end”, nada tem, onde aparentemente não existe conseqüência para as atrocidades cometidas pelas personagens, o que torna o conto de um realismo extraordinário. Percebemos isto no fragmento em que Pereba e seus amigos chegam a casa e comemoram a passagem de Ano Novo e o assalto bem sucedido naquela madrugada:

Chegamos lá em cima cansados. Botei as ferramentas no pacote, as jóias e o dinheiro na saca e levei para o apartamento da preta velha.
Dona Candinha, eu disse, mostrando a saca, é coisa quente.
Pode deixar, meus filhos. Os homens aqui não vêm.
Subimos. Coloquei as garrafas e as comidas em cima de uma toalha no chão. Zequinha quis beber e eu não deixei. Vamos esperar o Pereba.
Quando o Pereba chegou, eu enchi os copos e disse, que o próximo ano seja melhor. Feliz Ano Novo. (2001)


Se fossemos analisar questões formalistas do conto de Rubem Fonseca, poderíamos afirmar que, Feliz Ano Novo se estrutura em torno de um assalto, numa noite festiva de réveillon e o “foco narrativo em primeira pessoa neste conto, concentra em sua personagem central/ narrador-eu, e que o narrador, narra o real, de sua ótica subjetiva, dentro de seu mundo conflituoso” (Amaline Boulus Issa Mussi). Todavia o que nos interessa neste momento é a ‘má fé’ das personagens, quando os mesmo tentam fugir da angústia fingindo que não são livres:


Eu queria ser rico, sair da merda em que estava metido! Tanta gente rica e eu fudido... Filha da puta. As bebidas, as comidas, as jóias, o dinheiro, tudo aquilo para eles era migalha. Tinham muito mais no banco. Para eles, nós não passávamos de três moscas no açucareiro.


No fragmento acima selecionado, retirado do conto Feliz Ano Novo verifica-se a questão da má fé, quando Mauricio tenta apaziguar a situação, dizendo de forma irônica para Pereba e seus comparsas, que poderiam comer e beber á vontade, no entanto essa atitude, na visão de Pereba, foi interpretada como um insulto, pois, por mais que a quadrilha roubasse, para as vítimas ricas, seria um valor muito insignificante, já que tinham mais a oferecer.

Às vezes nós escapamos da ansiedade fingindo que nós não estamos livres, que tomamos nossas decisões devido ao ambiente e justificamos os atos cometidos como inevitáveis, como quando fingimos que tais motivos são a causas de como nós agimos. Nós nos permitimos ser auto-enganados, especialmente quando isto toma a forma de responsabilizar as circunstâncias por nosso carma. Quando nós fingimos, nós agimos de má fé. A má fé é a tentativa de fugir da angústia fingindo que não somos livres. Tentamos nos convencer que as nossas atitudes e ações são determinadas pela nossa personalidade, por nossa situação, ou por qualquer outra coisa fora de nós mesmos. Porém, diz Sartre, o que é aprendido, ou os propósitos, as experiências passadas, não determinam o comportamento atual. Segundo ele, "nenhum motivo ou resolução passada determina o que fazemos agora". "Cada momento requer uma escolha nova ou renovada". (Sartre)

Podemos notar que para Sartre o homem sempre tenta se esconder atrás de seus próprios atos ao decorrer do tempo, tirando assim uma responsabilidade de suas próprias ações que cairia sobre si e com isso o homem se justifica usando como desculpa sua personalidade, porém ele prefere agir indiferente, ou seja, agindo de Má fé, pois para Sartre o homem é livre para realizar seus próprios atos, no entanto ele é responsável pela conseqüência dos mesmos, ou seja, está condenada a sua própria liberdade.

Em relação à liberdade, Sartre afirma que somos “condenados a ser livres”, e que é impossível deixarmos de usar tal liberdade no meio em que vivemos, pois não há plano divino que determine como temos que nos comportarmos diante de uma situação, pois somos conscientes do que fazer, e que não há nenhum determinismo, nada que nos force a agir de tal forma. Isso fica bem evidente no conto Feliz Ano Novo, pois as personagens durante toda a ação da obra estão completamente firmes e cientes do que fazem, desenhando assim, uma sociedade livre que não os impedem de nada. Para Rubem Queiroz Cobra:


No entender de Sartre, estamos "condenados à liberdade"; não há limite para nossa liberdade, exceto o de que "não somos livres para deixarmos de sermos livres." Porque não há nenhum Deus e, portanto não há qualquer plano divino que determine o que deve acontecer, não há nenhum determinismo. O homem é livre. Nada o força a fazer o que faz. "Nós estamos sozinhos, sem desculpas." O homem não pode desculpar sua ação dizendo que está forçado por circunstâncias ou movido pela paixão ou determinado de alguma maneira a fazer o que faz. (2001)


Em relação à figura do homem, destacamos que estamos sempre querendo preencher o "nada". Esta questão da eterna busca é a essência do nosso ser consciente; queremos nos transformar em coisas em vez de permanecer perpetuamente num estado em que as possibilidades estão sempre irrealizadas. De fato se fizermos uma reflexão observaríamos que no conto Feliz Ano Novo as personagens afloram uma inquietação em relação ao estado deplorável em que se encontram para demonstrar essa insatisfação, eles fazem comentários em relação às ‘madames granfas’, vejamos:


Acendemos uns baseados e ficamos vendo a novela. Merda. Mudamos de canal, prum bang-bang, Outra bosta. As madames granfas tão todas de roupa nova, vão entrar o ano novo dançando com os braços pro alto, já viu como as branquelas dançam? Levantam os braços pro alto, acho que é pra mostrar o sovaco, elas querem mesmo é mostrar a boceta ,mas não têm culhão e mostram o sovaco. Todas corneiam os maridos. Você sabia que a vida delas é dar a xoxota por aí? Pena que não tão dando pra gente, disse Pereba. Ele falava devagar, gozador, cansado, doente. Pereba, você não tem dentes, é vesgo, preto e pobre, você acha que as madames vão dar pra você? Ô Pereba, o máximo que você pode fazer é tocar uma punheta. Fecha os olhos e manda brasa. (2001)

Esse trecho do conto define todas as personagens, pois na vida, o homem se compromete, desenha seu próprio retrato e não há mais nada senão esse retrato. Nossas ilusões e imaginações ao nosso respeito, sobre o que poderíamos ter sido, são decepções auto-infligidas.

Contudo Sartre acredita na capacidade plena de todo indivíduo de ter que escolher suas ações, valores e objetivos de vida. Em função disso concluímos que não existe destino, e que somos completamente livres. Entretanto, a liberdade nos arremete a uma responsabilidade, e esta por sua vez, atinge todos ao nosso redor. E foi nesse sentido que direcionamos a análise do conto Feliz Ano Novo de Rubem Fonseca.


Autoria: Artur Travisani Rosa; Atílio Catosso Salles; Érica dos Reis de Souza; Kézia Souza


Trabalho de Teoria Literária II


Referências bibliográficas

CARDOSO, Myriam Limoeiro. Ideologia do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.

Cobra, Rubem Q. - Jean Paul Sartre. Filosofia Contemporânea, Cobra Pages - www.cobra.pages.nom.br, Internet, 2001 ("www.geocities.com/cobra_pages" é "Mirror Site" de COBRA.PAGES).

FONSECA, Rubem. Feliz Ano Novo. In: MORICONI, Ítalo. (org.). Os cem melhores contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

MENEZES, Paulo. Laranja Mecânica: violência ou violação? Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 9(2): 53-77, outubro de
1997.

SILVA, Deonísio da. O Caso Rubem Fonseca - violência e erotismo em Feliz Ano Novo. São Paulo: Alfa-Ômega, 1983.


Sites:

http://www.cobra.pages.nom.br/fcp-sartre.html -

http://www.releituras.com/rfonseca_feliz.asp

http:// www.meiapalavra.com.br/showthread.php?tid

http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/0202/05.htm

UNEMAT - Unidade de Negligencias do Estado de Mato Grosso

A Universidade do Estado de Mato Grosso assinou sua sentença de morte na última semana, sua incompetência foi tanta que o Governador do Estado teve que intervir e tomar as rédeas do “megaultrapower” concurso do Estado, parafraseando um grande amigo meu.

Louvável a atitude do Chefe do Estado, no entanto acabou contradizendo-se, visto que ao defender a UNEMAT tomando toda responsabilidade pra si, como um pai super protetor cuja filinha não dá conta e nem está interessada em resolver a coisa por si mesma, acaba manchando ainda mais a moral desta instituição que já está desgastada por inúmeros erros que vem cometendo na atual administração, ou seja, ao tentar defende-la, desmoralizou-a ainda mais.

Acredito que o Governador deva sim arcar completamente com a responsabilidade, principalmente de ter permitido que uma instituição, que não consegue gerir a si mesma, gerisse um concurso dessa amplitude, no entanto já que o erro foi cometido, deveria ele após tamanho vexame feito pela Universidade, parar de defendê-la, posto que isso o secretário Vitto e o reitor Karin já fazem muito bem, deveria sim, ter arrancado o mal pela raiz, e excluído por inteiro a instituição de qualquer participação no novo concurso.

É inaceitável qualquer tipo de tentativa de justificar os atos cometidos no encaminhamento do concurso, a coisa foi tão mal feita, que dois dias antes do concurso acontecer seus “responsáveis” estavam chamando pessoas a esmo pra ajudar na realização das provas, não é de se espantar que o resultado tenha sido a lambança que foi.

É absurdo conceber que uma instituição de mais de trinta anos de existência, ainda não tenha adquirido responsabilidade e maturidade suficiente para gerir um concurso público, mesmo sendo o maior concurso da historia do Estado.

Entendo que o Governador queira manter o lucro referente ao concurso, dentro do nosso Estado, no entanto, o preço está saindo caro demais para a sociedade. O que será feito com os gastos de deslocamento até a realização das provas que os inscritos tiveram, pessoas que muitas vezes vieram de fora do Estado apenas para ter uma chance de adquirir a tão sonhada estabilidade de cargo público, é simples somente devolver o dinheiro da inscrição, ou pedir “desculpinhas esfarrapadas” como um mea culpa fajuto de uma instituição falida.

Nosso governador não é bobo, ele sabe muito bem o peso que essa incompetência gerou, não só à sociedade como também para seu futuro político, por isso obviamente, tomou as rédeas da situação, não quer que outro erro hediondo como este se repita.

Acredito que seja hora de dar um ultimato na UNEMAT, pedir que ela pare de crescer de tamanho físico, e que amadureça, cresça institucionalmente, com objetivos e responsabilidade, não como anda fazendo desde tempos, se vendendo para políticos desinteressados no bem estar da sociedade, e interessados nos votos que podem conseguir trazendo mais um curso para seu “curral eleitoral”, prejudicando assim, sua própria existência.

È hora da Universidade do Estado de Mato Grosso dar um “upgrade” como instituição, ajudar diretamente a sociedade que a sustenta, abrir os muros “imaginários” que tem, deve se responsabilizar pelos erros cometidos, evitar futuros erros hediondos como o ocorrido, e principalmente respeitar a sociedade que a mantêm, que espera retorno o mais rápido possível, e espero eu, pelo bem da UNEMAT, que seja uma resposta positiva, a altura de uma instituição madura e responsável, como se auto-intitula.



ARTUR TRAVISANI ROSA

Um navio chamado Unemat

Vamos ser honestos: boa parte das pessoas que conhecem a UNEMAT tinham aquele pressentimento de que algo iria dar muito errado.
Senão vejamos uma breve historinha para exemplificar o que queremos dizer.
Uma salgadeira é contratada para realizar a incrível façanha de preparar 10.000 salgados, sortidos, para serem entregues em dois dias.
Bom, ela como uma excelente cozinheira e de experiência comprovada, sabe que sozinha vai ser impossível dar conta do recado, logo, ela resolve contratar outras cozinheiras de sua confiança e outras indicadas por estas mesmas cozinheiras para lhe ajudar na preparação dos 10.000 salgados.
Não fosse só isso, ela também precisou de algum tempo no supermercado fazendo levantamento de preços e adquirindo os produtos necessários para esta empreitada.
Dentro do prazo estipulado, tudo correu perfeitamente bem.
Agora, qual foram os problemas da UNEMAT na realização do concurso público?!
Primeiro: ter aceitado o prazo e as condições estipuladas para a realização do certame.
O ideal seria ela ter dito : NÃO! Sob estas condições não podemos fazer o concurso.
Segundo: uma tendo aceitado o desafio de fazer o megaultrapowerconcurso com provas em apenas um único dia, ela deveria ter aproveitado o tempo para, além de uma boa elaboração de prova e correção dos cadernos, encontrar uma equipe que já tivesse trabalhado em concurso, ou vestibulares, e feito alguma parceria (inclusive coma UFMT, por que não?!). No entanto, ela saíu arrebanhando pessoas até no penúltimo dia antes das provas, dando um treinamento relâmpago para pessoas sem experiência e compromisso com este tipo de atividade.
Terceiro: Não se manteve atenta a manter tudo dentro de um universo real de possibilidades, não buscou prever situações adversas, nem a falta de material humano, tendo realizado o concurso como se estivesse fazendo um vestibular nas coxas.
Pessoas despreparadas ou mal treinadas tendem a fazer besteiras, a abandonar seus postos quando a "coisa" fica feia.
Deu no que deu.
Agora, esta mesma equipe despreparada e sem capacidade de assunção de responsabilidade pelos erros cometidos (vulgo "mea culpa") está decidida a preparar um novo edital até próxima quarta-feira divulgando as novas datas de provas (provavelmente com todas as provas sendo realizadas no mesmo dia, tchanâm!!), e com o mesmo material humano despreparado pra que se corra o risco de que tudo seja , mais ou menos, do mesmo jeito.
Como disse o amigo Daniel, é a história do batedor de penaltis quando erra: você não manda ele bater de novo se não quiser se arriscar a ser linchado pela torcida depois.
Mas existe interesse político de que esse concurso seja realizado ainda este ano, de que a UNEMAT continue a frente desta tarefa monstruosa.
Façam suas apostas, mas eu ainda fico com a idéia de "eu já sabia" martelando para esta segunda tentativa também.
Não é que esteja torcendo para que as coisas deem errado. É mera constatação de alguns anos dentro deste Titanic.
O iceberg vai rasgar o casco se continuarmos neste ritmo.

Ricardo Lacerda

UNEMAT

A UNEMAT se supera mais uma vez. É triste ver no que esta universidade se transformou, e agora ainda ter que arcar com um débito de R$ 10 milhões, chega a ser piada para uma universidade que alega aos estudantes que nunca tem dinheiro pra nada, uma universidade que não tem laboratórios decentes e que ainda nos obriga a ouvir a maior piada de todos os tempos, trazerem medicina pra sua grade de cursos.

Sem contar ainda que estão condensando os semestres para que os professores tirem todas suas licenças acumuladas ao mesmo tempo, para economizar dinheiro, mas claro que quem vai se dar mal mais uma vez são seus estudantes.

Realmente espero que os administradores comecem a rebolar, porque quando aceitaram a responsabilidade de realizar o maior concurso publico da história do país, deviam ter ao menos a responsabilidade de fazê-lo acontecer.

Estou no mínimo decepcionado com a instituição que estudo, fico ainda mais assustado é com o governo, que permitiu que uma instituição que “male má” da conta de aplicar as provas de seu vestibular, tomasse a frente de um concurso dessa magnitude.

Porque caso não tenha sido deste jeito, acredito que não deva ser a UNEMAT a única a arcar com as conseqüências, deste que poderia denominar o maior desgosto público da história deste Estado.


Artur Travisani

JORNALISMO PREGUIÇOSO

A urgência de novas linhas editoriais

Por Luciano Victor Barros Maluly e Rafael Duarte Oliveira Venancio em 3/2/2009

É comum a impressão de que o jornalismo brasileiro é um grande produtor de notícias, mas a realidade é que o público recebe um bombardeio de informações semelhantes das diversas mídias. São matérias padronizadas, encaixotadas e enviadas aos editores, que fazem da agenda uma ditadura obrigatória que cerceia a pauta, diferenciando-se apenas pelo título do periódico.

Uma reportagem que sai no telejornal da noite é manchete do jornal impresso do dia seguinte. Essa manchete do jornal é praticamente lida nos rádiojornais da manhã e, por sua vez, os sites jornalísticos da internet, cuja maioria é de propriedade de grandes monopólios de mídia, praticamente só publicam o que já foi dito.

Dessa forma, a chamada política editorial é praticamente maquiada pelo poder de controle exercido pelo baixo fluxo de notícias, ou seja, dos assuntos dominantes dentro dos veículos midiáticos. Os relatos pré-programados acabam por sufocar os jornalistas na ambição de informar o já transmitido, sem interpretação, discussão, checagem, cobertura, reproduzindo apenas o fato.

O silêncio da grande imprensa

Como essa contradição é possível? A resposta, na verdade, está na análise da linha editorial ou, se preferir, política editorial de cada veículo jornalístico. É um campo dos Estudos do Jornalismo conhecido como Estudos das Parcialidades [News Bias Studies], de muito sucesso nos anos 1970, mas extremamente controverso por considerá-los tão parciais quanto os jornais que estudam. Para isso, basta ver as pesadas críticas que os editores do New York Times emitiram ao livro Manufacturing Consent, de Noam Chomsky e Edward S. Herman (Pantheon, 1988), que revela a cobertura parcial desse jornal às atrocidades do Camboja e a ausência de cobertura das atrocidades que aconteciam – ao mesmo tempo e com mesma intensidade – no Timor Leste.

Pensando o jornalismo brasileiro, verificamos uma pauta fixa centrada nos assuntos estadunidenses – tal como a exaustiva cobertura da última eleição presidencial e dos atos do gabinete do presidente-eleito Barack Obama – e um descaso acerca dos assuntos da América Latina. Um assunto empiricamente interessante é o da cobertura da prisão e greve de fome da líder mapuche Patricia Troncoso Robles, no Chile. O povo mapuche é, talvez, o maior movimento social de habitantes indígenas originais da América do Sul que desejam o retorno da posse de suas terras – tomadas na década de 1880 na chamada "Pacificação da Araucania" – para formar um Estado-nação.

Em seu caminho pela luta do direito da autodeterminação dos povos e contra a exploração de suas terras por madeireiras, os mapuche sofreram reveses legais, tal como indiciamento, feito pelo governo de Michelle Bachelet, de Troncoso, sob a Lei Antiterrorismo criada pela ditadura de Pinochet. Enquanto que veículos de origem alternativa divulgaram amplamente o caso – dando ressonância às declarações de diversos órgãos internacionais que foram contrários à prisão, tais como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) – a grande mídia ficou silenciada, indiferente aos assuntos relacionados ao nome de Troncoso. Afinal como diz um velho ditado entre os jornalistas "estamos mais próximos de Miami do que de La Paz".

O valor-notícia e a pauta

Ora, para muitos, linha editorial e política editorial são conceitos totalmente diferentes. O jornalista e professor Luiz Beltrão, um dos pais dos Estudos do Jornalismo no Brasil, acredita que "na avaliação de um fato para a publicação, o jornalista deve sempre ter em mente a política editorial, isto é, a orientação ideológica do jornal para o qual trabalha e do público para o qual se dirige (...). Os namoricos de um príncipe nenhum valor têm para um diário trabalhista, cujos leitores são em sua maioria operários e gente da classe média, mas são postos em relevo pelos jornais sustentados pelas classes nobres e abastadas" (Teoria e Prática do Jornalismo. Omnia, 2006, p.88).

Já linha editorial, quando considerada diferente de política editorial, segue a definição trabalhada pelo sociólogo francês Erik Neveu, para quem a linha editorial "pode residir num posicionamento político no sentido amplo, na escolha do tipo de informação e do tratamento do fato que a publicação privilegiará. Ela se traduz em cada edição na escolha dos acontecimentos a ser valorizados, ao ângulo sob a qual os cobrir: é preciso dar a primeira página à queda de um Concorde ou não? Valorizar a emoção ligada ao drama ou propor um comentário distanciado sobre segurança do transporte aéreo e a saturação dos aeroportos parisienses?" (Sociologia do Jornalismo. Loyola, 2006, p. 77).

No entanto, como o leitor atento já observou, os termos determinam um quarteto crucial para o jornalismo: o jornal, o seu público presumido, o valor-notícia e o tratamento de pauta. É por isso que, para alguns, os dois conceitos não são indissociáveis, criando uma relação causal entre eles.

Os ideais democrático-igualitários

Se a "linha" editorial é a posição mantida pelo órgão de imprensa a respeito dos assuntos noticiados, então no Brasil essa "política" age mais na seleção do material pré-fabricado do que na produção. É mais fácil copiar as pautas da internet, de uma agência noticiosa de renome, ou até plagiar a rede de televisão dominante que teria o "Q de qualidade".

Pior é verificar que em um país como o Brasil os principais jornais – considerados jornais de "qualidade" – são para o "topo da pirâmide da população brasileira" e os jornais populares não pensam em "aprofundar" as notícias, seguindo a velha palavra de ordem que afirma que "o público quer o que a gente dá".

As pessoas precisam de jornais compromissados com o conteúdo não só dos assuntos selecionados pela agenda, mas também pela diversidade proporcionada pela pauta, motivando os repórteres ao contato com cidadão comum. Um jornalismo baseado na conduta democrática da convivência, em que público, jornalistas e colaboradores tenham espaço para o debate, sem o posicionamento arbitrário de alguns órgãos de imprensa, que confundem "linha" ou "política" editorial com autoritarismo.

Se a palavra de ordem é "interatividade", então é impossível conceber uma linha editorial, que vise ao cumprimento dos ideais democrático-igualitários sem uma postura dinâmica. É com uma redação aberta à conversação, à participação e à colaboração que o jornal cumpre o seu papel, enquanto principal instituição da esfera pública, perante todos os segmentos sociais.

O fetiche da agenda

Ao reproduzir o modelo da grande imprensa na produção do chamado jornal-laboratório, os docentes das faculdades de Jornalismo simplesmente consolidam a padronização dos veículos. Dessa forma, aos futuros profissionais só resta a perspectiva da normalização e do estrito seguimento do modelo, sem possibilitar o pluralismo temático ou o experimentalismo estilístico.

Forma-se uma massa de jornalistas que mantém estagnado o atual processo hegemônico, sem disponibilizar recursos para que surjam jornais diferentes, cujas linhas editoriais representarão as diversas facetas da sociedade, com pautas novas, calcadas em valores-notícia esquecidos ou mesmo em fontes nunca antes ouvidas.

A imprensa livre é o objetivo a ser seguido e é por isso que os jornalistas, desde a faculdade, trabalham com a permissão de construir linhas editoriais por meio de políticas que respeitem e conduzam os atores ao diálogo, às diversas facetas da realidade. Sabendo que são as redações que determinam o processo jornalístico, podemos dizer, então, que o conjunto de jornais é o aglomerado das mais diversas vitrines que representam os mais diferentes modos de pensar a sociedade.

No entanto, o jornalista enquanto profissional está sufocado pelo fetiche da agenda. A repetição insistente das informações já ditas é uma via de mão dupla, tal como se fosse o novo pharmacon do jornalismo: é o remédio para os bolsos dos patrões, já que economizam ao manter apenas microredações "copiadoras" e também é o veneno da profissão, pois para apenas reproduzir a informação, o jornalista, enquanto profissional criativo, se torna desnecessário.


Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=523JDB006

O existencialismo em sua inexistencia

Esse artigo tem como objetivo analisar a personagem Agilulfo Emo Bertrandino dos Guildiverni e dos Atri de Corbentraz e Surra, cavaleiro de Selimpia Citeriore e Fez, cavaleiro que está na obra “O Cavaleiro Inexistente”, de Ítalo Calvino e criar um paralelo com outros personagens da literatura nas obras que estudamos esse semestre e analisar a questão filosófica do personagem com relação ao “ser”.

É interessante notar já pelo titulo da obra a inevitável imagem com o “Ser ou Não ser” de Shakespeare em Hamlet e o “Penso logo existo” de Descartes, nas duas formas do pensamento filosófico. E é claro retomando algumas falas do próprio Agilulfo podemos notar o quão profundo é esse paralelo sobre o “Ser”, que Calvino quer que nos entreguemos. Por exemplo, já nas primeiras partes da obra, o Cavaleiro, segundo o narrador, passa por momentos de incerteza: “Todas às vezes, Agilulfo passava por um momento de incerteza” e em “Nessa incerteza, parava, pensativo: e não conseguia tomar nenhuma atitude”. Em ambos os trechos citados podemos notar com bastante intensidade a premissa do “ser ou não ser” e no segundo trecho nos remetemos à afirmação de Descartes no “Penso Logo existo”.

Quem melhor do que um Cavaleiro inexistente para provar o pensamento filosófico-matemático de Descartes, pensamento esse que consiste no Ceticismo Metodológico, ou seja, duvida-se de cada idéia que pode ser duvidada. Descartes torna obrigatória a dúvida: só se pode dizer que existe aquilo que possa ser provado, sendo o ato de duvidar indubitável. Baseado nisso, Descartes busca provar a existência do próprio eu, eu esse que duvida, portanto, é sujeito de algo, “Penso logo existo”.

E quem melhor do que o próprio cavaleiro para nos remeter a “Hamlet” uma das obras mais conhecidas de Wiilian Shakespeare, onde a questão do “ser” é fundamental como crises existenciais, “Ser ou não ser, eis a questão. Qual é mais digna ação da alma; sofrer os dardos penetrantes da sorte injusta, ou opor-se a esta torrente de calamidades e dar-lhes fim com atrevida resistência? Morrer... dormir... nada mais... Morrer é dormir, sonhar talvez...”, o que nos remete ao grande pensador existencialista Jean-Paul Sartre dono de uma filosofia que torna a vida humana possível e que, por outro lado, declara que toda a verdade e toda ação implicam num meio e numa subjetividade humana.

Em algumas das obras que tivemos a oportunidade de ler esse semestre, podemos encontrar algumas alusões ao “ser”, no romance “Madame Bovarry” de Flambert notamos a importância do ter para o ser, podendo resumir no pensamento capitalista, usando o modelo matemático de Descartes, conhecido também como modelo cartesiano, na forma “Tenho logo existo”, ou na Metamorfose de Franz Kafka com a idéia do “Faço logo existo” em uma imagem do proletariado que denota a importância do que se faz para o que se “é”, ou mesmo indo mais além, percebemos crises existenciais na obra “os sofrimentos do jovem werther”, de Golthe obra essa bastante profunda e com um grande teor filosófico existencialista, na questão do “Ser e o Nada” de Sartre, que podemos tentar pobremente resumir em “Existo logo Penso”.

Em o Cavaleiro inexistente resta-nos como modelo de cavaleiro apenas uma armadura reluzente com voz e dentro dela apenas o vazio e a solidão. O cavaleiro desse romance não existe: Agilulfo usa uma armadura incrivelmente branca e dentro dela não existe nada: apenas uma voz e movimentos que indicam a existência, ou no caso a inexistência, desse cavaleiro.

Agilulfo é o maior exemplo, em minha opinião, do “Penso logo existo”, pois se um cavaleiro inexistente munido de consciência e vontade, com ética marcada pelos valores dos cavaleiros medievais, com sua armadura, impecavelmente lustrada e brilhante, que se move por todos os lugares onde apenas se ouve uma voz fria e impessoal, correto, impecável e atento aos seus valores, ele é o modelo do “ser” que se dedica aos seus ideais, não necessitando existir como corpo, restando apenas sua armadura, suas armas e seu código.

Podemos notar perfeitamente essa existência com base no pensar, no seguinte trecho extraído da obra de Calvino: “Na armadura branca completamente equipada, no interior de sua tenda, uma das mais ordenadas e confortáveis do acampamento cristão, tentava manter-se deitado e continuava pensando: não os pensamentos ociosos e divagantes de quem está para pegar no sono, mas sempre raciocínios determinados e exatos. Pouco depois, erguia-se sobre um cotovelo: necessitava de alguma ocupação manual, como lustrar a espada, que já era bem brilhante, ou passar graxa nas juntas da armadura.”

Percebe-se no trecho citado a intensividade dos pensamentos de Agilulfo e ao mesmo tempo não podemos separar tal pensamento da filosofia de Descartes, quando o narrador diz “não os pensamentos ociosos e divagantes de quem está para pegar no sono, mas sempre raciocínios determinados e exatos”, necessário lembrar-se que Descartes era matemático, sendo assim ele pensa com raciocínios matemáticos, com a lógica matemática, então pensar é fundamental para existir, para o “ser”, mas não qualquer pensamento, e sim pensamentos orquestrados e definidos cuidadosamente e embasados logicamente, pensamentos que geram questões, duvidas a serem provadas e discutidas até serem esgotadas.

Agilulfo é frio como o metal de sua armadura, enrijecido e não dado à vida. Daí porque não se entrega a pensamentos "ociosos e divagantes", perfeccionista e metódico, seus atos são pautados pela razão extremada e completo desprezo pelo que possa comprometer essa racionalidade. Em um outro trecho da obra, fica evidente essa postura que interdita a entrega ao desejo, ao amor:

“– Ah, o amor! – gritou Agilulfo com um sobressalto de voz tão brusco que Priscila ficou assustada. E, ele, de repente, lançou-se numa dissertação sobre a paixão amorosa.”

A dissertação mostra-se o gênero mais adequado para esse cavaleiro, racional e sempre em busca de provas e dados estatísticos, expor suas idéias sobre o amor, a paixão. Não dado aos arroubos passionais, nenhum outro gênero se mostraria mais apropriado.

Outro trecho que prova essa visão cartesiana de Agilulfo é “Não ofendo ninguém: limito-me a explicitar fatos, lugar, data e uma grande quantidade de provas!”

O mais interessante nessa obra é o fato de ela conseguir trafegar entre vários pensamentos filosóficos e de maneira tão natural e agradável, conseguimos sentir nela pensamentos tão antagônicos como o de Descartes em a relação a Sartre, sendo que ambos estão presentes durante toda a leitura.

Por todos os motivos expostos nesse artigo, é que reafirmo que “O cavaleiro inexistente” de Ítalo Calvino é o melhor e que melhor interage com todas as outras obras lidas nesse semestre, com ela divagamos por toda filosofia existencial na sua total inexistência, por ser um texto cômico e ao mesmo tempo filosófico, nos aprofundamos na que a meu ver, é a principal questão humana, o “Ser”.