sábado, 9 de janeiro de 2010

O existencialismo em sua inexistencia

Esse artigo tem como objetivo analisar a personagem Agilulfo Emo Bertrandino dos Guildiverni e dos Atri de Corbentraz e Surra, cavaleiro de Selimpia Citeriore e Fez, cavaleiro que está na obra “O Cavaleiro Inexistente”, de Ítalo Calvino e criar um paralelo com outros personagens da literatura nas obras que estudamos esse semestre e analisar a questão filosófica do personagem com relação ao “ser”.

É interessante notar já pelo titulo da obra a inevitável imagem com o “Ser ou Não ser” de Shakespeare em Hamlet e o “Penso logo existo” de Descartes, nas duas formas do pensamento filosófico. E é claro retomando algumas falas do próprio Agilulfo podemos notar o quão profundo é esse paralelo sobre o “Ser”, que Calvino quer que nos entreguemos. Por exemplo, já nas primeiras partes da obra, o Cavaleiro, segundo o narrador, passa por momentos de incerteza: “Todas às vezes, Agilulfo passava por um momento de incerteza” e em “Nessa incerteza, parava, pensativo: e não conseguia tomar nenhuma atitude”. Em ambos os trechos citados podemos notar com bastante intensidade a premissa do “ser ou não ser” e no segundo trecho nos remetemos à afirmação de Descartes no “Penso Logo existo”.

Quem melhor do que um Cavaleiro inexistente para provar o pensamento filosófico-matemático de Descartes, pensamento esse que consiste no Ceticismo Metodológico, ou seja, duvida-se de cada idéia que pode ser duvidada. Descartes torna obrigatória a dúvida: só se pode dizer que existe aquilo que possa ser provado, sendo o ato de duvidar indubitável. Baseado nisso, Descartes busca provar a existência do próprio eu, eu esse que duvida, portanto, é sujeito de algo, “Penso logo existo”.

E quem melhor do que o próprio cavaleiro para nos remeter a “Hamlet” uma das obras mais conhecidas de Wiilian Shakespeare, onde a questão do “ser” é fundamental como crises existenciais, “Ser ou não ser, eis a questão. Qual é mais digna ação da alma; sofrer os dardos penetrantes da sorte injusta, ou opor-se a esta torrente de calamidades e dar-lhes fim com atrevida resistência? Morrer... dormir... nada mais... Morrer é dormir, sonhar talvez...”, o que nos remete ao grande pensador existencialista Jean-Paul Sartre dono de uma filosofia que torna a vida humana possível e que, por outro lado, declara que toda a verdade e toda ação implicam num meio e numa subjetividade humana.

Em algumas das obras que tivemos a oportunidade de ler esse semestre, podemos encontrar algumas alusões ao “ser”, no romance “Madame Bovarry” de Flambert notamos a importância do ter para o ser, podendo resumir no pensamento capitalista, usando o modelo matemático de Descartes, conhecido também como modelo cartesiano, na forma “Tenho logo existo”, ou na Metamorfose de Franz Kafka com a idéia do “Faço logo existo” em uma imagem do proletariado que denota a importância do que se faz para o que se “é”, ou mesmo indo mais além, percebemos crises existenciais na obra “os sofrimentos do jovem werther”, de Golthe obra essa bastante profunda e com um grande teor filosófico existencialista, na questão do “Ser e o Nada” de Sartre, que podemos tentar pobremente resumir em “Existo logo Penso”.

Em o Cavaleiro inexistente resta-nos como modelo de cavaleiro apenas uma armadura reluzente com voz e dentro dela apenas o vazio e a solidão. O cavaleiro desse romance não existe: Agilulfo usa uma armadura incrivelmente branca e dentro dela não existe nada: apenas uma voz e movimentos que indicam a existência, ou no caso a inexistência, desse cavaleiro.

Agilulfo é o maior exemplo, em minha opinião, do “Penso logo existo”, pois se um cavaleiro inexistente munido de consciência e vontade, com ética marcada pelos valores dos cavaleiros medievais, com sua armadura, impecavelmente lustrada e brilhante, que se move por todos os lugares onde apenas se ouve uma voz fria e impessoal, correto, impecável e atento aos seus valores, ele é o modelo do “ser” que se dedica aos seus ideais, não necessitando existir como corpo, restando apenas sua armadura, suas armas e seu código.

Podemos notar perfeitamente essa existência com base no pensar, no seguinte trecho extraído da obra de Calvino: “Na armadura branca completamente equipada, no interior de sua tenda, uma das mais ordenadas e confortáveis do acampamento cristão, tentava manter-se deitado e continuava pensando: não os pensamentos ociosos e divagantes de quem está para pegar no sono, mas sempre raciocínios determinados e exatos. Pouco depois, erguia-se sobre um cotovelo: necessitava de alguma ocupação manual, como lustrar a espada, que já era bem brilhante, ou passar graxa nas juntas da armadura.”

Percebe-se no trecho citado a intensividade dos pensamentos de Agilulfo e ao mesmo tempo não podemos separar tal pensamento da filosofia de Descartes, quando o narrador diz “não os pensamentos ociosos e divagantes de quem está para pegar no sono, mas sempre raciocínios determinados e exatos”, necessário lembrar-se que Descartes era matemático, sendo assim ele pensa com raciocínios matemáticos, com a lógica matemática, então pensar é fundamental para existir, para o “ser”, mas não qualquer pensamento, e sim pensamentos orquestrados e definidos cuidadosamente e embasados logicamente, pensamentos que geram questões, duvidas a serem provadas e discutidas até serem esgotadas.

Agilulfo é frio como o metal de sua armadura, enrijecido e não dado à vida. Daí porque não se entrega a pensamentos "ociosos e divagantes", perfeccionista e metódico, seus atos são pautados pela razão extremada e completo desprezo pelo que possa comprometer essa racionalidade. Em um outro trecho da obra, fica evidente essa postura que interdita a entrega ao desejo, ao amor:

“– Ah, o amor! – gritou Agilulfo com um sobressalto de voz tão brusco que Priscila ficou assustada. E, ele, de repente, lançou-se numa dissertação sobre a paixão amorosa.”

A dissertação mostra-se o gênero mais adequado para esse cavaleiro, racional e sempre em busca de provas e dados estatísticos, expor suas idéias sobre o amor, a paixão. Não dado aos arroubos passionais, nenhum outro gênero se mostraria mais apropriado.

Outro trecho que prova essa visão cartesiana de Agilulfo é “Não ofendo ninguém: limito-me a explicitar fatos, lugar, data e uma grande quantidade de provas!”

O mais interessante nessa obra é o fato de ela conseguir trafegar entre vários pensamentos filosóficos e de maneira tão natural e agradável, conseguimos sentir nela pensamentos tão antagônicos como o de Descartes em a relação a Sartre, sendo que ambos estão presentes durante toda a leitura.

Por todos os motivos expostos nesse artigo, é que reafirmo que “O cavaleiro inexistente” de Ítalo Calvino é o melhor e que melhor interage com todas as outras obras lidas nesse semestre, com ela divagamos por toda filosofia existencial na sua total inexistência, por ser um texto cômico e ao mesmo tempo filosófico, nos aprofundamos na que a meu ver, é a principal questão humana, o “Ser”.

Nenhum comentário: